quinta-feira, 13 de agosto de 2009

PopCine – uma resposta ao presidente (e aos eleitores)

O presidente Lula, em recente declaração, falou sobre a carência de salas de cinema e a dificuldade de acesso da maior parte da população, devido aos preços dos ingressos e à ausência de salas nos bairros e comunidades em que vive a maioria dos brasileiros. O presidente cobrou idéias, projetos que pudessem dar solução a essa situação inidiscutivelmente grave para a cultura brasileira em geral e especialmente para o nosso cinema.

Há um projeto que percorre, há três anos, gabinetes públicos e escritórios de empresas em todo o País. Ele tem o endosso de produtores e realizadores cinematográficos, dos cineastas de curta-metragem, da chamada classe política, de administradores municiapis, de estudiosos e técnicos de cinema e, naturalmente, das cidades e bairros que tiveram oprtunidade de conhecê-lo.

No entanto, administradores municipais parecem aguardar a ajuda do estado; em muito estados, remetem-se ao governo federal; este último, pelo menos até a fala do presidente, parece quase exclusivamente preocupado com o fomento à produção – extremamente necessário, aliás, e sobre o que muito foi realizado por este governo – apesar de todos os produtos audiovisuais brasileiros não encontrarem, ou carecerem de forma muito aguda, de caminhos e espaços de exibição, de contato com o público.

As empresas, públicas e privadas, ancoradas nos dispositivos de renúncia fiscal, aparentemente não vêm interesse em investir numa ação permanente em comunidades de menor poder aquisitivo. Os projetos itinerantes, de rápidos (e efêmeros) resultados, permitem a apresentação de relatórios expressivos às instâncias de administração: “Instalou-se uma grande tela na cidade, com pipoca de graça. Todos vieram assistir. Eram milhares! Voltaremos no ano que vem com mais um filme, se a empresa continuar a nos apoiar...”

Trajetória do PopCine

O Centro de Promoção do Cinema – CPCine foi fundado em março de 2006. Reunindo antigos cineclubistas, produtores culturais, cineastas, de São Paulo e alguns outros estados, tinha – e tem – por objetivos principais a promoção de estudos sobre o cineclubismo e a organização do público e especialmente a criação de um circuito de salas de cinema que permita o acesso do público ao cinema, uma vez que o mercado brasileiro está organizado de uma maneira absolutamente excludente, que apenas atende a uma parcela irrisória da população (que oscila em torno de 10%, mas geralmente para baixo) e promove basicamente apenas a circulação de filmes de umas poucas empresas (concentradas em três distribuidoras que detêm cerca de 85% das bilheterias no País) internacionais, com base em Hollywood. Um cinema elitista, excludente, monoglota, que afasta o público e impede a circulação da diversidade, da pluralidade, da criatividade

O nome PopCine, marca que deve caracterizar as salas do circuito, foi uma sugestão do cineasta João Batista de Andrade, então Secretário da Cultura do estado de São Paulo. PopCine, de popular, amplo e democrático; PopCine de cultura moderna, pop; de vibração e explosão, como da pipoca, tão associada ao cinema que queremos fazer renascer como hábito e direito da população.

Empossado na Secretaria, João Batista logo promoveu estudos para a ampliação da difusão cinematográfica. Diversas propostas chegaram ao seu gabinete, mas a mais econômica ainda previa um custo de cerca de 500 mil reais para a implantação de uma sala de cinema tradicional, para projeção de películas 35 mm. Vale dizer que, na época, o custo básico de montagem de uma sala comercial era de cerca de 1 milhão de reais – mas, dado o modelo praticamente absoluto das salas multiplex, esse investimento é, na realidade, bem maior. A circulação de cópias em 35 mm também exige um investimento de cerca de 5 mil reais por cópia, o que leva a uma série de injunções que determinam, entre outras coisas, uma audiência mínima e um ingresso elevado para a sustentação de cada sala, reforçando o modelo dos multiplexes e excluindo toda comunidade menor ou de menor poder aquisitivo: a imensa maioria das cidades do interior e os bairros nas cidades maiores. De fato, o Brasil tem uma sala de cinema para quase 200 mil habitantes (sem falar na concentração), cerca de 20 vezes menos que a proporção existente nos EUA, por exemplo, e em muitos outros países, cujas “vias de desenvolvimento” são mais vias de fato.

A proposta que o CPCine levou ao Secretário previa um investimento de cerca de 100 mil reais por sala, partilhados com a iniciativa local. A operação digital reduz os custos de manutenção a uma fração infinitesimal dos de uma sala tradicional, permitindo a sua sustentabilidade a partir de ingressos muito inferiores aos praticados no mercado, e possibilitando sua instalação em todo tipo de comunidade.

A Secretaria da Cultura paulista, então, celebrou com o CPCine acordos para o desenvolvimento do projeto e a instalação inicial de 20 salas em todo o estado.

Maria Antonia

Num primeiro momento, instalamos a sede do projeto e uma sala modelo, para experimentação e promoção, permitindo o estudo da operação real da sala e que possíveis patrocinadores, produtores e realizadores cinematográficos, representantes da classe política e das comunidades pudessem ter uma visão concreta do que o projeto propõe. A Sala Maria Antonia, na rua do mesmo nome, foi inaugurada no dia 5 de novembro (dia do cinema brasileiro) de 2006 (fotos ao lado).

A Sala Maria Antonia exerceu sua função de testar a atualizar a proposta do Circuito. Exibiu cerca de 200 títulos, entre curtas, médias e longas-metragens, com temas variando desde a produção de e sobre a “periferia”, até clássicos do cinema mundial; promoveu lançamentos de filmes brasileiros nunca exibidos, como “Subterrâneos”, de José Eduardo Belmonte; “QuartaB”, de Marcelo Galvão, “O Profeta das Águas”, de Leopoldo Nunes; “Lua Cambará”, de Rosemberg Cariri, entre outros, e mostras igualmente inéditas dos cineastas argentinos Leonardo Favio e EdgardoKozarinsky. Realizou debates e outros eventos, como lançamentos de curtas, revistas, até uma festa de aniversário.. Organizou e testou o projeto “O Cinema é uma Escola”, com a Secretaria de Estado da Educação, que atendeu a cerca de 3.500 alunos da rede pública no mês de novembro e que, através de acordo celebrado com essa secretaria, seria estendido a toda sala que se associa-se ao circuito PopCine.

A segunda etapa do projeto consistiu na seleção de 20 localidades e estabelecimento de parcerias com prefeituras, subprefeituras ou outras instituições locais. Estas ficaram responsáveis pela cessão do imóvel, aprovado pela área técnica do CPCine, e os investimentos, pequenos, de adaptação. A Secretaria de Cultura entrou com o custeio do planejamento todo da sala – através do CPCine - resultando no desenvolvimento dos projetos de adaptação das 20 salas, bem como seu orçamento (ao lado e abaixo, depoimentos de prefeitos e autoridades da cultura de várias dessas cidades).

Vila Mariana

Enquanto se desenvolviam essas etapas do projeto, outros estados, cidades e instituições – até mesmo um exibidor comercial – se interessaram pelo PopCine. Sempre através de contatos com autoridades como secretários de Estado ou dos municípios, ou com organizações reconhecidamente bem estruturadas, 13 estados brasileiros e cerca de uma centena de cidades manifestaram interesse pela criação de salas populares de cinema.

Mas foi apenas a subprefeitura da Vila Mariana, em São Paulo, que desenvolveu um projeto próprio, fora da programa estadual, e reformou um auditório muito interessante em uma biblioteca pública. O imóvel apresenta uma distribuição espacial que comporta entrada independente para a sala de cinema, que seria administrada por uma associação civil sem fins lucrativos constituída entre moradores do bairro e freqüentadores da biblioteca. Assim se manteria a proposta de sustentabilidade da sala, com o vínculo com a comunidade e o interesse público.

A sala ficou pronta em fevereiro de 2007 (ver fotos ao lado), mas um decreto do prefeito passou a administração da biblioteca para a secretaria municipal de cultura. O secretário, que nunca nos recebeu, não permitiu a continuidade do projeto. Hoje, a biblioteca Viriato Correia mantém uma programação de cinema de responsabilidade da secretaria.

Etapa “final”

A fase seguinte do projeto seria a abertura das 20 salas, cujos espaços estavam cedidos, os projetos prontos e orçados, assim como a equipe e estrutura básica de fornecimento de filmes e treinamento e assistência técnica para os novos popcines.

A gestão de João Batista de Andrade, porém, terminava, com as eleições para o governo do estado. O antigo secretário assegurou-se de deixar os recursos no orçamento do ano seguinte e gestionoou pessoalmente junto ao seu sucessor, o economista João Sayad, para que continuasse o projeto. De fato, o novo secretário logo nos recebeu, de maneira especialmente gentil, assegurando-nos – e aos 20 prefeitos e dirigentes de igual número de comunidades que subscreviam nossa demanda – a continuidade do projeto.

Alguns meses depois, diante da nossa inistência pela liberação dos recursos devidos no começo do ano, finalmente fomos comunicados que “a secretaria mudou sua política de inclusão”, optando pela aquisição de ingressos junto aos exibidores comerciais tradicionais e sua distribuição gratuita à população.

A falta de coerência na atitude do secretário não apenas inviabilizou a etapa seguinte do PopCine e todo o projeto em São Paulo, como provocou uma crise na própria entidade, que vinha atrasando compromissos e protelando medidas de defesa em vista da atitude de compromisso que o Dr. Sayad infelizmente não honrou.

A Sala Maria Antonia teve que ser fechada – como espaço-sede do projeto, com escritório e equipe, não gerava a renda suficiente para sua manutenção. Parte do seu equipamento foi entregue, como pagamento de dívida, a uma entidade de Ribeirão Preto, dando origem ao Cineclube Canarinho, em plena atividade atualmente.

Perspectivas?

Continuamos a acreditar que o PopCine é a grande resposta para o restabelecimento do diálogo entre o cinema, especialmente o cinema nacional, e o público brasileiro.
O CPCine se mantém, através de seus dirigentes e da maioria dos associados, continuando a apresentar a proposta, ou diferentes propostas, para governos, empresas e programas públicos de apoio à cultura – sem qualquer resultado concreto até o momento.

Conservamos nossa capacidade de diagnóstico e assessoria técnica para a montagem de salas e organização de equipes gestoras.

Quem sabe, seremos ouvidos pelo presidente...

Um comentário:

  1. Prezado Sr. Felipe.
    É lamentável a falta de respeito e ética por parte de alguns dirigentes da nossa administração pública!
    Fica claro neste projeto "Va ao Cinema", os interesses das grandes empresas distribuidoras e exibidoras no nosso adorável Pais!
    Pois vá ao cinema... Quanto voce achar um!
    Quem sai ganhando nesta história são os já milionários circuitos exibidores!
    Uma lástima. Mas não podemos abandonar o projeto, quem sabe o próprio Presidente não tome esse problema como prioridade para nós brasileiros?!
    Abraços.

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